A Cura do Trauma

publicado em:31/01/19 7:10 PM por: Guilherme Ashara Terapias

Depois de mais de 30 anos experimentando, aprendendo e respirando terapia, sinto que estou começando uma nova fase no meu trabalho como terapeuta transpessoal.

As recentes descobertas da neurofisiologia e as constatações de diversos estudiosos, como Bert Hellinger e Peter Levine, por exemplo, elevam a terapia a um novo patamar de consciência e prática.

Quando comecei meu processo pessoal não tinha consciência do lado negativo e perigoso dos processos catárticos e de liberação emocional. Lembro de diversos grupos de terapia que têm o foco na catarse e liberação emocional que participei, sai dos mesmos me sentindo estranho e com até menos confiança na vida e nas pessoas.

Com isso não quero dizer que as terapias catárticas não são importantes. Acho que são. Mas não podem ser utilizadas indiscriminadamente com qualquer paciente/cliente que procura terapia. Explicarei abaixo algumas das razões que entendi depois diversos cursos que fiz na Osho Multiversity (www.osho.com), em Puna, na Índia.

Também compreendi que terapias verbais que se utilizam simplesmente da cognição, da análise e da compreensão racional não tocam a raiz dos aspectos traumáticos. Pois o trauma acontece e se instala no cérebro reptiliano ou cérebro animal, enquanto que os aspectos racionais se dão no Neocortex que é um cérebro estritamente humano e racional.

O cérebro reptiliano é a nossa herança animal e funciona exatamente como o cérebro dos animais irracionais. Ele vive através das sensações (sensopercepção). O trauma é o subproduto de uma carga energética que se dá quando o animal ou o homem se sente ameaçado e seu sistema de defesa lhe fornece uma quantidade de energia maior do que ele precisaria no seu cotidiano. Ele usa esse “excesso” para reagir lutando, fugindo ou se não consegue lutar ou fugir, se utiliza de uma terceira possibilidade que é congelar.

Quando o animal passa por uma ameaça e escapa, ele trata de descarregar o excesso de energia através do chacoalhar o corpo, saltar, correr, etc. O animal racional por ter perdido ou esquecido essa característica se mantêm com esse acúmulo de energia que é o gerador potencial do trauma. E toda vez que outra experiência lembrar o fato traumático aquela energia é acessada gerando todos os sintomas do trauma original. A pessoa sente como se estivesse vivendo aquela mesma experiência traumática.

As terapias catárticas que não tem esse conhecimento podem reforçar o trauma, pois colocam a pessoa traumatizada em uma situação semelhante àquela que ela viveu e que a traumatizou. Essas terapias ainda podem ser utilizadas de forma gradual e consciente, ajudando o cliente traumatizado a tocar as sensações traumáticas conscientemente, de modo suave e lento.

Uma descoberta importante de Peter Levine para a cura do trauma é o que ela chama de ‘Pendulação’. É uma forma de compensar ou equilibrar a sensação traumática com sensações de apoio, suporte e conexão consigo mesmo. Todos nós temos ‘recursos’ externos, como por exemplo, uma casa, uma conta bancária, um amigo, marido, mulher, um bichinho de pelúcia, etc, como também podemos dispor de recursos internos como sensações de paz, relaxamento em algumas partes do corpo, espaços meditativos, espaços de prazer ou enraizamento. No trabalho da cura do trauma ‘pendulamos’ entre uma sensação de medo e uma sensação de suporte.

Outra concepção importante é nunca acessar diretamente o vórtice do trauma, nem também evitá-lo totalmente. Quando uma pessoa revive um trauma através de um problema que aconteceu no seu relacionamento, ela pode dizer “nunca mais quero me relacionar”. O que ela, na verdade, quer dizer com isso é que ela não quer mais sentir as sensações que o ‘relacionamento’ lhe causou. Porém, essa atitude não vai ajudar essa pessoa a se curar do trauma original. Também não é aconselhável que alguém diga “que bobagem, vá de novo, da próxima vez você aprende”. Essa também não é uma boa abordagem para vencer o trauma.

Então, como devemos agir? Com controle e consciência da situação; e em terapia acessar as sensações traumáticas de forma lenta e gradual, como colocamos acima. Quando entramos um pouco na sensação traumática com consciência e controle saímos da experiência com mais confiança e energia. Podemos então, ter uma segunda experiência um pouco mais profunda, até que depois de algumas sessões terapêuticas estarmos prontos para acessar o núcleo do trauma. Mas não podemos de antemão definir o número de sessões que cada pessoa vai precisar fazer para integrar a sua carga traumática.

Em seu livro ‘The Zen Way of Counseling’, o psicoterapeuta Svagito Liebermeister comenta sobre esse tema: “O propósito da pendulação é evitar confrontação imediata com o evento traumático, visto que confrontação direta pode na verdade, reforçar a ferida psicológica ao invés de ajudá-la a sarar.”

Nunca é interessante para a pessoa traumatizada perder o controle da situação. Quando a pessoa traumatizada perde o controle, ela está literalmente ‘perdida’. A partir desse instante ela não pode mais fazer nada, pois foi ‘sugada’ para o vórtice do trauma e irá reviver toda a situação traumática até sair novamente ainda mais traumatizada. Daí a importância da pendulação.

Falando sobre o reflexo do trauma, Peter Levine em seu livro ‘O Despertar do Tigre’ coloca “Antes de Perseu partir para conquistar a Medusa, foi avisado por Atena para não olhar diretamente para a górgone. Prestando atenção à sabedoria da deusa, ele usou o escudo para refletir a imagem da Medusa; agindo assim, conseguiu cortar a cabeça dela. Do mesmo modo, a solução para vencer o trauma não vem da confrontação direta, mas do trabalho com o seu reflexo, espelhado em nossas respostas instintivas.”

Namastê!

Ashara – é ‘Counselor’ (aconselhamento psicoterapêutico) com especialização em Psicologia Transpessoal e Constelação Familiar Sistêmica.

Artigo escrito por Guilherme Ashara, publicado no blog do Jornal O Povo

Foto de Guilherme Ashara



A última modificação foi feita em:março 14th, 2019 as 18:54


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